segunda-feira, 25 de junho de 2018

Quarta-feira. Sinto a sede dos líquidos depressores. Resisto. Olho pela janela, arrepio com o vento. Retiro uma pedrinha do vasinho de flor, atiro lá embaixo. Preciso de mais vento, então saio da janela, abro a porta e vou até a sacada. O escuro está certo, faz bem, é isto mesmo. Conto dez, doze, vinte e três estrelinhas, canso. O ar é sempre úmido, não passo pelo prazer de respirar o gelado sem que a água escorra pelas narinas. Seco com a manga do casaco - o que minha amiga emprestou e não devolvi. Fecho os olhos e de novo e de novo e de novo e de novo e de novo me percebo no escuro no frio no alto no silêncio e reconheço o padrão. É um vício. Se repete sempre. Há algo no escuro no frio no alto no silêncio que me coloca no transe e, devagar, se arrasta para dentro de mim, descendo pela minha garganta. Esqueço de piscar. Percebo meu corpo tremer. A totalidade de mim, da vida e do mundo me atravessa - passado, presente e futuro se confundem, viram coisa una que me perpassa. Perco meu corpo, não me pertence, sou outra coisa que apenas este corpo simples, tão simples que não comporta o transe. E é para sair de mim - de meu corpo simples, de minha existência corpórea limitada, de minha composição básica e de meus pensamentos e sentimentos elementares, humanos demais - que recorro ao escuro ao frio ao alto e ao silêncio. É por isso que abro janelas, que encho pela terceira vez o meu copo, que dou repetidas voltas na quadra às quatro da madrugada, que tiro cada um dos casacos para que meu corpo seja beijado pelos 3º C na sacada. Porque preciso transcender. 

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