domingo, 15 de agosto de 2021

Entranhas

15/08/2021.

Uma sombra eventualmente me abate. E meu corpo, que é sedento de luminosidade, se ressente. A nuvem pesada como que de chuva paira e me sinto abafada, úmida, febril e vou me despindo das peças de roupa, sufocada. Me encolho onde estiver – num banco, sofá, cama, poltrona, janela de ônibus -, e se estou trabalhando, apenas aceito o abatimento e o encaro, acostumada com todos os abatimento outros já conhecidos, ainda mais eu, que sou mulher.

A nutricionista concordou com minha teoria: é culpa do intestino. Posso até querer fugir, me matar, sentir falta disso, daquilo, daquele - desatinada dos sentimentos - e me sentir sufocadíssima no planeta. Posso enlouquecer e nutrir um desejo incontrolável de saber notícias tuas e te olhar sem que tu me veja: bonito, balançando os braços como odeio, só saber se está saudável e bem, feito uma mosca ou um espírito invisível. E quero morrer e morrer e morrer porque não me cabe mais saber coisa alguma - se está bem ou mal, vivo ou morto, tanto faz!

Ainda por culpa do intestino, sinto o sufoco ao entrar em um supermercado, um shopping, um posto de gasolina. Vontade de me destruir. Intestino, o maldito! E é tão bom poder enfim – ufa! – entender que o estado profundo de depressão, morte, fuga é transitório - esvazia, desincha. A desconexão profunda com o presente, com os espaços, com os lugares, com o tempo em que vivo, com a força maior que nos rege - não deus, mas o capitalismo -, com os rótulos dos produtos todos da mesma corporação, das sucatas de carro e caminhão atirados por todos os lados, prédios abandonados, pessoas sem máscara, cílios postiços: tudo é o intestino, culpado pela minha percepção caótica do mundo. O intestino me coloca em estado de intolerância, de dissociação, impaciência, ojeriza, morte. O intestino me faz chorar. O intestino quer me fazer fugir. O intestino me deixa febril de enjoo existencial. O intestino me faz incomodada na carne. Se os ovários, por outro lado, me colocam em alerta, lucidez, pura ira válida e instinto; o intestino me lambuza a pele e a consciência com uma umidade como a que vem da terra, exaustiva, pesada, me fazendo claustrofóbica de tudo e de mim. Destemperada, um calor insuportável que queima por dentro, me arrasto feito lesma contra tudo o que de repente salta à consciência e me hostiliza.

Quando em casa, sozinha, de porta aberta, liberto meus restos, enfim se vão os resquícios e miasmas de meus sentimentos e mágoas e dores e amores e paranoias. Me esvazio e descem todos pela privada. No intestino, acumulo todos eles. Sempre se renovando como parte de minha própria flora intestinal. Então, livre, sorrio grande e assino mil decretos comigo mesma: Preciso correr! Correr 5 km! Correr todos os dias! Comer fibras! Fazer terapia! Viajar sozinha! Escrever um livro! Não dedicar amor ao outro mais do que sou capaz de dedicar a mim! Não ter medo da traição, do abandono, da mágoa! Ser o Sol de mim, não pretender ser o Sol do outro! Resgatar meus amigos, um a um! Ser livre! Transar muito, tenho só 28 anos! Talvez não ter filhos, tudo bem! Enterrar os mortos e amá-los enterrados! Brigar e amar sem temor! Me chatear soltando palavras, e não me engasgando com elas! Correr então não mais 5, mas 10 km!

E, assim, renovo brevemente as energias. De modo geral, retomo um bom, confortável, esperançoso ponto de equilíbrio, recalibrada emocionalmente, de tripas vazias.


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